quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

"Mulé macho!"

Dona Celcina, minha Mãe, que Deus a tenha lá no céu, foi acima de tudo uma heroína. Ainda hoje choro a sua ausência, mas sabendo que falta pouco para voltar a encontrá-la - pois já tenho 82 primaveras e acho que se aproxima o desenlace dessa vida para uma melhor, assim espero. Pois bem, vamos aos fatos...

Lá pelos anos 50 morávamos no bairro de Dois Irmãos, naquele tempo, um dos mais distantes da cidade do Recife. O único meio de transporte era o bonde.

Mamãe, Dona Celcina, separou-se de meu Pai que foi um marido lastimável e faliu por pura irresponsabilidade, perdendo tudo o que tinha: uma casa comercial, toda a mobília da casa, as jóias de mamãe e até a máquina de costura dela, que era exímia costureira e inclusive fazia até vestido de noivas nesta máquina.

Na época não havia indústria de confecções, todo vestimento eram confeccionados pelas costureiras, como Dona Celcina. Contudo, Dona Celcina não tinha mais uma máquina de costura e nem dinheiro para comprar uma. A mulher guerreira viu-se então, tendo que se deslocar do bairro de Dois Irmãos para os locais de moradia das freguesas, para poder exercer assim sua profissão com a máquina de costura da cliente; isso tudo para sustentar seus cincos filhos, pois, como já disse, meu pai - após sua falência - nos largou a nossa própria sorte. Mas mamãe era uma heroína mesmo, pegou o nosso barco, tomou o leme e não deixou naufragar.

E lá vamos nós ao fato da "mulher macho".

Dona Celcina era paraibana da cidade de Catolé do Rocha. Eu também sou paraibano de nascimento, mas pernambucano de criação.

Foi então um dia que Mamãe estava trabalhando na residência de uma família nobre, no bairro do Derby, onde só morava a classe de elite.

Nesta casa o dono era um médico cujo nome não me lembro, vou chamá-lo então de 'Dr. Ricardo' - esta é a única ficção dessa estória, o restante foram lágrimas e suor que eu mesmo vi, presenciei e chorei junto. A esposa de Dr. Ricardo chamarei de 'Dona Censura' - me perdoem, mas minhas primaveras já não me permitiram lembrar do nome da tal senhora. 

O casal Dr. Ricardo e Dona Censura viviam sozinhos, pois não tinham filhos. Na época os pernambucanos faziam chacotas com as paraibanas chamando-as de "mulher macho", visto que nesta época o Rei do Baião, o pernambucano Luiz Gonzaga lançou um disco - de vinil!!! - tendo uma das faixas a música "paraiba masculina mulher macho sim senhor", que fez muito sucesso o que não era muito bem visto pelas paraibanas.

Mamãe era bem tratada pelas freguesas ao ponto de fazer as refeições na mesa, com a freguesa e sua família. Um dia, na hora do almoço, Dona Censura que era a exceção e gostava de humilhar as pessoas não pertencentes ao seu nível social e em um tom de gozação, disparou:

"- Celcina é da Paraíba! É mulher macho!!!"

Dona Celcina que apesar de muito educada, não aguentou engolir esse sapo e respondeu: "- Dona Censura, eu tive cinco filhos, se sou mulher macho sendo mãe de cinco filhos, quem não tem nenhum o que será?!"

Silêncio na mesa, foi o que aconteceu.
E nunca mais Dona Censura ousou pronunciar  uma chacota com as paraibanas.

( em memória da mãe, avó e bisavó
Celcina Maia Pereira
)
NOTA¹: meu pai, parei diversas vezes para enxugar uma lágrima aqui e outra ali ao lembrar de tudo que você, minhas tias e meu tio Celmar e vovó Celcina passaram. Tenho muito orgulho de me chamar Fabíola CELCINA Maia Pereira, hoje, sou 'do Emery' por casamento. Mas o que vem de nascimento, no espírito fica. E a quem interessar possa, existe uma rua aqui em Recife homenageando a minha vó, a pedido de meu Pai, e até hoje lá está eternizada um pouco dela, na Rua Celcina Maia Pereira!
NOTA²: localização da rua que tem o nome em homenagem a vovó, aqui.
NOTA³: e seu Maia, largue de coisa que ainda vai demorar pra você reencontrar voinha, aguente mais um pouco a saudade, porque sua filha ainda quer colocar em seus braços um neto. Te amo!

9 comentários:

Mlpallares disse...

Foi o que mais Gostei no entanto, sei que outros virao e vou adorar tbem... esse em especial me emocionou bastante... lembranças da minha mae

Thaís Diniz disse...

É um "causo" melhor que outro.Esse carregado de emoção..

Kirlene Maria disse...

amei Fabíola!!!

Carla Suassuna disse...

Ameiiiiii!

Regina Yoko disse...

Grande Celcina! Amo essaa histórias, eu ficava horas ouvindo as da minha mãe e hoje escuto as da minha tia. Uma pergunta, seu pai não conhecia uma família nobre que morava no Derby com o nome de Terezinha da Rocha Cavalcanti?

Roseane Cavalcanti da Costa disse...

É pra se orgulhar mesmo! Mulher guerreira Dona Celcina!

Maíra disse...

Ahhhh, que legal a história da sua avó, Bi!
Seu pai me lembra muito meu avô, que também era uma pessoa boníssima e adorava bater papo e contar causos do passado! Passávamos horas juntos, sentados na varanda da casa dele, e ele me contava histórias de quando ele era criança, dos meus bisavós e tudo o mais!

Beijão pra você e um especial para seu Maia!

Marcia H disse...

Que estória de vida heim Seu Maia! E nada de ir encontrar mamãe Celcina, o Senhor ainda tem muita estória para nos contar. Um beijo

Unknown disse...

Esse lindo causo me lembrou muito a vida da minha bisavó, contada a mim pela minha querida avó. A impressão que dá é que a independência e garra das mulheres não foi apenas "conquistada" nos dias atuais. Na minha opinião essas são as verdadeiras guerreiras, que abandonadas por seus companheiros, sem apoio financeiro tampouco emocional, correram atrás partindo muitas vezes do zero e criaram seus filhos com muita dignidade. Eu tenho o maior respeito por estas mulheres que pra mim são o meu maior exemplo!