terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Xandó, o machão!

Existia um quarteto da pesada, companheiro na bebida e das farras. São eles: "Xandó", o fanfarrão. O tipo de cara que só quer levar vantagem; e com as mulheres, então, sem se fala. Dizia Xandó com muito gosto:

- "Comigo mulher como na minha mão, nunca levei um fora! Todas caem na minha lábia e fazem o que eu mandar, todas para mim são amélias."

Xandó era um tipão avantajado, usava uma cabeleira à la Sansão e um bigode de Salvador Dali. Os outros companheiros de boemia, eram o Júlio, o mais jovem, franzino e submisso. Cláudio era o mais velho, o mais gaiato e só gostava de mulher velha. Dizia ele que "galinha velha é que dá o melhor caldo". E, finalmente o Pacato, o mais comedido, pois exercia sobre os outros uma soberania.

Cansados os três de ouvirem tantas bravatas de Xandó, acertaram de lhe pegarem uma peça no dito cujo para lhe servir de lição e que assim ele ficasse mais humilde.

Um belo dia o quarteto marcou uma farra que se prolongou por toda a noite.

Já de manhãzinha Xandó de tanto beber capotou. Seus colegas tentaram acordá-lo sem sucesso e então tomaram a decisão: "Pronto!" - disseram - "vamos dar uma lição nesse fanfarrão!"

Rapidamente rasparam seu bigode, suas grossas sobrancelhas e cortaram metade de sua cabeleira. Xandó ficou parecendo um extraterrestre. Passados umas três horas Xandó acordou e o trio, quase morrendo de rir não aguentava olhar para cara nova de Xandó, que desconfiado perguntava:

- "O que é que está acontecendo? Estão vendo um palhaço, seu safados?!"

E os três gargalharam tanto de cair! Foi nisso que Cláudio, o mais gaiato, pegou um espelho e deu para Xandó. O machão endoidou!

- "Vou matar vocês, três fídumaégua!!!

Foi um corre-corre, apareceu a turma do deixa-disso e conseguiram acalmar Xandó, enquanto os três desaparecendo rindo.

Xandó cortou relações com os três, teve que raspar a outra parte da cabeleira e não pode sair de casa até que as sobrancelhas crescessem, pois a única vez que saiu na rua, antes disso, ouviu assovios e gritos de "linda, linda, linda!!!"

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

"Mulé macho!"

Dona Celcina, minha Mãe, que Deus a tenha lá no céu, foi acima de tudo uma heroína. Ainda hoje choro a sua ausência, mas sabendo que falta pouco para voltar a encontrá-la - pois já tenho 82 primaveras e acho que se aproxima o desenlace dessa vida para uma melhor, assim espero. Pois bem, vamos aos fatos...

Lá pelos anos 50 morávamos no bairro de Dois Irmãos, naquele tempo, um dos mais distantes da cidade do Recife. O único meio de transporte era o bonde.

Mamãe, Dona Celcina, separou-se de meu Pai que foi um marido lastimável e faliu por pura irresponsabilidade, perdendo tudo o que tinha: uma casa comercial, toda a mobília da casa, as jóias de mamãe e até a máquina de costura dela, que era exímia costureira e inclusive fazia até vestido de noivas nesta máquina.

Na época não havia indústria de confecções, todo vestimento eram confeccionados pelas costureiras, como Dona Celcina. Contudo, Dona Celcina não tinha mais uma máquina de costura e nem dinheiro para comprar uma. A mulher guerreira viu-se então, tendo que se deslocar do bairro de Dois Irmãos para os locais de moradia das freguesas, para poder exercer assim sua profissão com a máquina de costura da cliente; isso tudo para sustentar seus cincos filhos, pois, como já disse, meu pai - após sua falência - nos largou a nossa própria sorte. Mas mamãe era uma heroína mesmo, pegou o nosso barco, tomou o leme e não deixou naufragar.

E lá vamos nós ao fato da "mulher macho".

Dona Celcina era paraibana da cidade de Catolé do Rocha. Eu também sou paraibano de nascimento, mas pernambucano de criação.

Foi então um dia que Mamãe estava trabalhando na residência de uma família nobre, no bairro do Derby, onde só morava a classe de elite.

Nesta casa o dono era um médico cujo nome não me lembro, vou chamá-lo então de 'Dr. Ricardo' - esta é a única ficção dessa estória, o restante foram lágrimas e suor que eu mesmo vi, presenciei e chorei junto. A esposa de Dr. Ricardo chamarei de 'Dona Censura' - me perdoem, mas minhas primaveras já não me permitiram lembrar do nome da tal senhora. 

O casal Dr. Ricardo e Dona Censura viviam sozinhos, pois não tinham filhos. Na época os pernambucanos faziam chacotas com as paraibanas chamando-as de "mulher macho", visto que nesta época o Rei do Baião, o pernambucano Luiz Gonzaga lançou um disco - de vinil!!! - tendo uma das faixas a música "paraiba masculina mulher macho sim senhor", que fez muito sucesso o que não era muito bem visto pelas paraibanas.

Mamãe era bem tratada pelas freguesas ao ponto de fazer as refeições na mesa, com a freguesa e sua família. Um dia, na hora do almoço, Dona Censura que era a exceção e gostava de humilhar as pessoas não pertencentes ao seu nível social e em um tom de gozação, disparou:

"- Celcina é da Paraíba! É mulher macho!!!"

Dona Celcina que apesar de muito educada, não aguentou engolir esse sapo e respondeu: "- Dona Censura, eu tive cinco filhos, se sou mulher macho sendo mãe de cinco filhos, quem não tem nenhum o que será?!"

Silêncio na mesa, foi o que aconteceu.
E nunca mais Dona Censura ousou pronunciar  uma chacota com as paraibanas.

( em memória da mãe, avó e bisavó
Celcina Maia Pereira
)
NOTA¹: meu pai, parei diversas vezes para enxugar uma lágrima aqui e outra ali ao lembrar de tudo que você, minhas tias e meu tio Celmar e vovó Celcina passaram. Tenho muito orgulho de me chamar Fabíola CELCINA Maia Pereira, hoje, sou 'do Emery' por casamento. Mas o que vem de nascimento, no espírito fica. E a quem interessar possa, existe uma rua aqui em Recife homenageando a minha vó, a pedido de meu Pai, e até hoje lá está eternizada um pouco dela, na Rua Celcina Maia Pereira!
NOTA²: localização da rua que tem o nome em homenagem a vovó, aqui.
NOTA³: e seu Maia, largue de coisa que ainda vai demorar pra você reencontrar voinha, aguente mais um pouco a saudade, porque sua filha ainda quer colocar em seus braços um neto. Te amo!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Cheio, cheio.

Lá no sertão nordestino vivia uma cabrocha* faceira escultural com lindos peitos e um bumbum redondo que quando em sua formosura e saliência andava, o mesmo girava pra lá e pra cá, o que endoidava os machos da região, deixando-os babando, pois a cabrocha era de parar o trânsito de carroças e cavalos.

Seu nome era Florinda e em toda redondeza perguntavam:

" - Florinda, Florinda, quem vai ser príncipe encantado?"

E ela dizia: "Só me caso com homem velho e rico e que me dê liberdade, pois ser escrava não quero! Prefiro viver livre e sambar!", já que toda sexta-feira Florinda sambava até o sol raiar.

Na mesma vila vivia um ancião, sessentão, o Seu Cornélio. Pacato, solteiro, homem de posses pois como era sozinho conseguiu juntar muito dinheiro. Era o solteirão cobiçado pelas vitalinas* da vila, mas Seu Cornélio era duro na queda, não dava bola para nenhuma delas.

Um dia quando cavalgada seu alazão*, Cornélio se deparou com Florinda e foi flechado instantaneamente pelo cupido. O velho ficou doido de amor pela moça viçosa que cantada, consentiu em se casar desde que o pretendente a deixasse livre para suas saídas ao samba das sextas-feiras, pois a casa do samba era vizinha da casa de Seu Cornélio.

Passado uns tempos Seu Cornélio começou a definhar pois Florinda muito fogosa estava acabando com as forças do Seu Cornélio. O seu fim era inevitável e numa sexta-feira o velho bateu as botas!

Florinda ficou doida, ia perder o samba? O que fazer?!

Uma amiga a aconselhou contratar carpideiras* e foi o que Florinda fez; contratou a carpideira e em troca a mesma receberia um saco de dinheiro.

E lá foi Florinda sambar deixando a carpideira fazendo o velório de Seu Cornélio.

Lá do samba Florinda ouvia a carpideira se lamentando: "Oh Deus meu, porque choro eu? Por um defunto que não é meu! Para ganhar um saco de dinheiro que não sei se será cheio ou meio..."

Florinda sambava, pulava se esfregava e gritava como resposta:

"Cheio, cheio bem socado, mais em cima e três punhados! Cheio, cheio bem socado, mais em cima e três punhados!"

E assim foi até de manhã quando o samba acabou e Florinda estava saciada de sua noitada festiva.


GLOSSÁRIO:
  • cabrocha:  mulata jovem, viçosa e feliz.
  • vitalinas:  mulher de idade que nunca casou.
  • alazão: cavalo.
  • carpideiras: mulheres que choram por defuntos nãos seus por dinheiro.